Em desarmonia com a natureza
O Senado aprovou, na semana passada, um novo marco federal para o licenciamento ambiental: o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que deverá agora passar por nova votação na Câmara dos Deputados. A revisão foi pautada na busca por maior celeridade e eficiência no processo de licenciamento, com o objetivo de reduzir o chamado “entrave ambiental”. Na prática, ela promove o autolicenciamento de empreendimentos de baixo a médio impacto ambiental e dispensa uma série de atividades do licenciamento, entre elas uma ampla gama de atividades agropecuárias.
Em outras palavras, abre as porteiras para a degradação ambiental, favorecendo alguns poucos setores industriais e econômicos e prejudicando amplamente a sociedade em termos de resiliência climática, bem-estar e saúde. Além disso, aumenta significativamente os riscos de poluição e de perda de vegetação nativa altamente biodiversa.
Isso ficou particularmente evidente quando os senadores incluíram, de última hora, uma emenda que literalmente desconstrói a Lei da Mata Atlântica. A modificação, que parece ser singela, nada mais é do que a eliminação do principal princípio norteador dessa lei: a proteção de florestas em estágios mais avançados de sucessão. Estamos falando, em particular, de florestas mais maduras, com árvores de grande porte, alta biodiversidade e biomassa — reconhecidamente importantes aliadas no enfrentamento das mudanças climáticas, tanto em termos de estoque de carbono quanto de proteção contra eventos climáticos extremos.
Essas florestas, que se desenvolveram ao longo de décadas — ou mesmo séculos — agora podem ser mais facilmente cortadas do dia para a noite com a passagem de um correntão.
A autorização para o corte dessas florestas, que só deveria ocorrer em situações excepcionais de utilidade pública e após análise de órgãos estaduais ou federais competentes, passa agora a poder ser feita no âmbito municipal. Infelizmente, muitos municípios — em especial os menores ou localizados em áreas remotas, que frequentemente coincidem com regiões mais preservadas — não dispõem de equipe técnica qualificada nem de órgãos dedicados a essas análises socioambientais.
Delegar essa decisão ao nível municipal significa transferir um processo que deveria se basear em critérios técnico-científicos e no interesse coletivo para um ambiente mais vulnerável a pressões políticas e a interesses econômicos de setores restritos da sociedade. Considerando que a Mata Atlântica abriga cerca de 30 milhões de hectares de pastagens degradadas (um quarto do bioma), que geram poucos benefícios socioeconômicos, é difícil entender por que o desenvolvimento econômico requereria o corte de remanescentes de florestas maduras — que representam menos de 12% do bioma.
O Brasil deveria priorizar ações que criem as condições necessárias para avançar rumo ao desmatamento zero e à restauração plena das áreas degradadas. No entanto, o novo licenciamento ambiental, com a mudança da Lei da Mata Atlântica, caminha na direção oposta, facilitando o desmatamento de florestas e outras formações nativas que beneficiam cerca de 140 milhões de brasileiros. O desmatamento zero deveria começar com a plena proteção das matas mais maduras.
O aperfeiçoamento do licenciamento ambiental depende de um equilíbrio entre celeridade e qualidade. O ganho de velocidade não pode ocorrer em detrimento da qualidade. Seria mais lógico reforçar os órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento do que fragilizar — ou mesmo eliminar — o processo. Com a fragilização promovida pelo Projeto de Lei nº 2.159/2021, quem perde é a sociedade brasileira, que conviverá com paisagens mais poluídas e degradadas, sofrerá ainda mais com as mudanças climáticas e seus eventos extremos e vivenciará a perda de um patrimônio natural altamente biodiverso.
Com isso, estamos indo abertamente contra o bom senso e violando as diretrizes do Marco Global da Biodiversidade, aprofundando nossa desarmonia com a natureza.